Cláudio Castro entre a política e o caos
O processo de cassação do governador Cláudio Castro chega ao seu desfecho em meio a um dos momentos mais conturbados da história política e institucional do Rio de Janeiro — e talvez do próprio país. O julgamento, marcado por grande expectativa e inevitável carga de simbolismo, acontece menos de uma semana após a maior operação policial de combate ao narcoterrorismo já registrada no Brasil, uma ofensiva que mobilizou centenas de agentes e resultou na morte e prisão de criminosos que há décadas impõem medo às comunidades e desafiam o Estado.
A coincidência de datas não passa despercebida. Enquanto o governo fluminense tenta mostrar firmeza e liderança no enfrentamento ao crime organizado, o governador enfrenta no Tribunal Regional Eleitoral um processo que pode tirá-lo do cargo por suposto abuso de poder político e econômico nas eleições de 2022. As investigações apontaram o uso de programas sociais e contratações temporárias em benefício eleitoral — práticas recorrentes na política brasileira, é verdade, mas que em seu caso ainda carecem de provas diretas de envolvimento pessoal.
Entre os próprios magistrados e analistas políticos, há o reconhecimento de que o papel de Castro, neste contexto, teria sido mais de beneficiário do que de articulador direto das irregularidades. Trata-se, portanto, de um julgamento que se equilibra entre a responsabilização institucional e a ponderação individual. Não se ignora o problema ético, mas também não se pode confundir a esfera administrativa com a pessoal — principalmente quando a própria gestão estadual vinha, até recentemente, mostrando avanços concretos na segurança pública e nas finanças.
O pano de fundo político é ainda mais tenso. Nos últimos dias, o presidente da República tem adotado discursos que soam, para muitos, como uma defesa velada dos criminosos e uma crítica aberta à ação policial. As declarações em tom de confronto com as forças de segurança — chamando de “massacre” o que o Estado classificou como uma ação de guerra contra o tráfico armado — ampliaram o abismo entre o Planalto e o governo do Rio. O contraste entre o apoio popular à operação e o desconforto político causado em Brasília evidencia o isolamento crescente do governo federal em temas ligados à segurança.
No meio desse turbilhão, Cláudio Castro tenta se manter sereno. Publicamente, tem evitado o tom de confronto, mas seus aliados reconhecem o peso político de um eventual afastamento em um momento em que o Rio parecia, finalmente, reencontrar algum eixo de estabilidade. O que está em jogo não é apenas o mandato de um governador, mas o equilíbrio entre instituições, a coerência das decisões judiciais e a credibilidade de um Estado que há anos luta para se reerguer.
O julgamento de Castro, qualquer que seja o resultado, marcará um novo capítulo na longa e complexa relação entre poder e política no Rio de Janeiro. Um capítulo que, ironicamente, se escreve enquanto o Estado tenta vencer, nas ruas, uma guerra muito mais antiga: a de devolver ao cidadão o direito de viver sem medo.